Segunda-feira, 27 de Junho de 2011

 

Uma nova estirpe de antisemitismo cresce globalmente de dia para dia. Esta nova estirpe prolifera o seu ódio aos Judeus sob o pretexto de que Israel é um estado ilegítimo e que o Sionismo é uma ideologia racista. Mas nos dias de hoje, ainda que amiúde, conseguem-se flagrar casos com as mais medievais formas de antisemitismo primário.

 

Em Portugal estes casos são virtualmente inexistentes pois geralmente são feitos em ambientes limitados e herméticos. Raramente temos acesso a ensaios ou artigos de opinião que expõem casos de antisemitismo racial, economico-social e religioso. Talvez porque os poucos que têm capacidades linguísticas e/ou intelectuais (i.e.com génio mais malicioso), raramente se dão ao luxo de proferir injúrias que possam desvendar a sua condição, a mesquinhez da sua personalidade ou até a falta dela.

 

Ontem, 27 de Junho no site do DIÁRIO DAS BEIRAS, alguém terá atingido tal "façanha". Massano Cardoso, Professor catedrático de profissão (!) e deputado do PSD eleito pelo círculo de Coimbra na legislatura anterior, terá alegadamente escrito um artigo intitulado «Cães...» onde podemos experimentar uma das formas mais arcaicas e assustadoras de antisemitismo. Apesar da repugnância que certamente causará aos meus queridos leitores, apelo a sua leitura atenta.

 


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CÃES...

 

Do livro, “Jerusalém, ida e volta”, de Saul Bellow, ficou-me uma passagem, por acaso a inicial, em que o autor, numa viagem de avião rumo a Israel, travou conhecimento e teve como companheiro um hasside, um daqueles judeus que usam chapéus estranhos, cachos de cabelo e franjas. O jovem pediu-lhe que se sentasse entre ele e a mulher do escritor, porque as suas regras não lhe permitiam sentar-se ao lado de mulheres. A bizarria comportamental não ficou por aqui. Bellow pediu comida kosher por causa do seu companheiro. Como não havia em quantidade suficiente para tantos fundamentalistas, quis atirar-se ao frango, que a hospedeira, displicentemente, lhe tinha posto à sua frente, porque a fome apertava. O ortodoxo não lhe permitiu que comesse aquela “coisa”, e chegou a ponto de lhe oferecer quinze dólares por semana se renunciasse à comida não kosher para o resto da vida. Como a comida kosher é cara, Bellow testou o indígena, levando o missionário aparvalhado com o espírito religioso a subir para os vinte e cinco dólares. Mas o que me deu vontade de rir foi quando Bellow lhe respondeu à pergunta sobre o que fazia a mulher: – Professora na Universidade Hebraica. – “O que é que ela faz?”. O escritor respondeu-lhe que era matemática. Desconcertado perguntou-lhe o que era ser-se matemática. Nunca tinha ouvido falar, assim como, também, não sabia o que era física e nem quem tinha sido Einstein! Só sabia daquelas gaitas religiosas, já que se julgam representantes, embaixadores, lacaios ou privilegiados de Deus.

 

Tive oportunidade de os ver na cidade dos conflitos, há muitos anos, e de ouvir os comentários jocosos de muitos dos seus compatriotas. No entanto, têm força e condicionam a vida social através das suas leis e interpretações. Puros representantes de uma forma de ser que me enoja e preocupa imenso, mas que não se esgota no judaísmo, porque nas outras religiões também existem os respetivos equivalentes.

 

Recordei-me do livro e da minha viagem quando li uma notícia em que os rabinos de Israel condenaram um cão à morte por apedrejamento! “O animal era acusado de ser a reencarnação de um advogado que há 20 anos havia insultado os rabinos. O cão conseguiu fugir”, diz a notícia. Graças a Deus! A história começa quando um cão entrou no tribunal rabínico de um bairro ultraortodoxo, em Jerusalém. O animal assustou as pessoas e não queria sair, o que levou um daqueles pataratas de canudos no cabelo a lembrar-se de uma praga lançada pelos juízes sobre um advogado desejando que o seu espírito mudasse para um corpo de cão, animal considerado impuro no judaísmo tradicional. E, ainda por cima, competiria às crianças apedrejar o animal.

 

Como é possível um comportamento destes? Não deveria ser tolerado por ninguém, sobretudo pelas autoridades. Não há dúvida que por detrás das religiões se escondem muitas coisas, não só o gozo de uma imunidade obscena, mas, também, a vontade de apedrejar quem quer que seja, cão ou ser humano.

 

Por último, por causa do cão “judeu” – confesso que fiquei muito satisfeito por ter conseguido fugir –, recordei–me de outro: “luso”, triste, escanzelado e meio tinhoso, que, durante algum tempo, andou para as bandas da universidade e tinha o hábito de entrar com uma atitude aristocrática na sala dos Capelos. Deitava-se silenciosamente na teia e aí permanecia até ao final das provas. A primeira vez que vi esta cena fiquei perplexo, mas ninguém se importou. Cheguei a pensar que poderia ter algum eventual laço com o candidato, mas não, porque a cena repetiu-se mais vezes, não sei quantas. A certa altura, comecei a olhar para a porta. Será que ele vai aparecer desta vez? Aparecia, sim senhor, um pouco atrasado e com ar doutoral. Só lhe faltava a borla e o capelo. Às tantas pensei: – Quem sabe se não é alguém que não chegou a fazer o doutoramento e agora aparece reencarnado no animal.

 

Um dia desapareceu, mas não foi por ter sido ameaçado de apedrejamento. Vida de cão!

 

Ainda hoje recordo aquelas cenas caninas doutorais com muita saudade…



publicado por Marco Moreira às 23:44
 
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